domingo, 26 de junho de 2011

Tempo

Tempo. Sempre ouvi dizer (e quase sempre acreditei) que o tempo muda tudo. Não creio. O tempo não muda nada. Apenas aceita upgrades resultantes do normal desgaste do mesmo. Olho à minha volta e vejo e sinto tudo da mesma forma. Da forma como sempre vi e senti. O sentimento de que as coisas não estão bem, não são perfeitas e nem para lá caminham, persegue-me através do tempo. Ontem, hoje e provavelmente amanhã, sentirei o mesmo. Resta-me a esperança e crença de que a vida me provará o contrário. Porque quero acreditar que sim. Quero muito que seja verdade. Estou a meio da vida. Gosto de pensar que já vivi metade e que a metade que me resta me vai fazer sentir que o tempo muda tudo.
Justificar completamente
A Índia é um país que se ama ou odeia. Eu nem amo nem odeio. Vagueio entre o amor e o ódio, todos os dias. Conheço pouco do vasto planeta que habito mas acompanha-me a forte sensação, a roçar a certeza absoluta, de que nenhum país do mundo é como a Índia. Todos os dias me deparo com situações surreais. Com o adquirir de um conhecimento profundo do que é este país vendido como o mais religioso e espiritual do mundo cada experiência é mais surreal. Religioso, ridiculamente, sim. Espiritual, pouco. Tão pouco que é quase nada. Tanta hipocrisia. Tanto desrespeito pela vida. Tanta ignorância. Tanta inveja. Nenhum valor para além do dinheiro.

A minha vida desenrola-se por ciclos (penso que a de toda a gente mas eu só posso falar de mim, do que experimento). Dentro de cada ciclo, muitos pequenos ciclos se vão metamorfoseando. Estou no trânsito de um pequeno ciclo positivo para um negativo, dentro de um ciclo principal positivo ;-) Talvez por isso tenha sentido necessidade de escrever isto. Neste ciclo estou a olhar para as coisas negativas. Preciso disso até não poder mais, explodir e voltar ao mar-de-rosas indiano! LOL!!!

Uma mulher procura um cão de raça -desses a pilhas- quando de baixo da sua casa uma cadela deu à luz 6 cachorros, dos quais apenas 3 sobreviveram. Temo que, breve, passarão a 2. Um deles está doente. Pensei que era da comida, porque tem andado com diarreia desde há 3 dias, mas hoje quando visitei a sua família para a normal ração diária, quase morreu nas minhas mãos. Julgo que sofre de epilepsia. Pavor. Liguei para vários veterinários, mas como é domingo, nenhum pode ajudar. Ninguém lhes dá comida e todos os dias tenho que improvisar novos recipientes para a água porque alguém os esconde. Falei com a mulher que procura um cão a pilhas para que abandonasse a ideia de gastar tanto dinheiro num desses peluches e adoptasse um dos cachorrinhos e quase me internou num manicómio. “Estás maluca? Que nojo”” –disse.

Um búfalo fura o estômago de um pobre velho homem com um dos seus poderosos cornos. Uma hora depois, um dos “espectadores”, entediado com a falta de reacção (o velho rendia-se finalmente à morte) lá chamou uma ambulância. A ambulância chega, pergunta ao velho se tem dinheiro para pagar o serviço. O velho não tem dinheiro para pagar nem um grão de arroz. A ambulância parte sem o velho, que acaba por morrer 2 horas depois, com um grupo de gente à sua volta que nada faz senão observar. Eu chego, vejo um grupo de gente agitada. Pergunto o que se passa e contam-me a história. De forma tão natural que me impressiona mais a frieza desta gente do que o facto em si, um velho morto no meio da rua.

Um jovem moderno, consciente e inteligente (não estou a ser irónica), vestindo uma t-shirt que diz: Go Green Fellas! We have just one Earth! e com o qual discuto acerca da extrema poluição que existe no seu país, inaugura um maço de tabaco e atira o velho, vazio, para o chão onde tantos outros velhos e vazios maços de tabaco se acumulam.

Tempo? Podes mesmo mudar algo?